terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Não dou NADA!

Hoje a LBV salvou a postagem do dia.

Para quem não sabe, a LBV é a Legião da Boa Vontade. Um povo chato, que acha que dando aos necessitados estão fazendo algo de muito construtivo a eles e à sociedade, em geral. Acreditem, VOLUNTÁRIOS (que eu chamo de otários sem cerimônia e com todo o prazer) fazem treinamento e doam horas de suas vidas para servirem de pedintes para a LBV! Eles ligam e tentam coagir as pessoas a doarem quantias para "auxiliar" os necessitados.

Faz algum tempo, eu era a favor de ajudar o próximo. Participei de Grupos de Jovens e gostava de me engajar em campanhas para auxiliar a população mais pobre. De verdade. Fazia com coração aberto. E confesso que era gratificante voltar para casa com a consciência em paz. Dever realizado. Ajudei alguém, agora posso dormir descansado.

Mas a realidade é outra e as coisas nunca são bem assim. Quando você dá algo a alguém, essa outra pessoa não precisa se esforçar para ganhá-la. E, pior, se você dá algo mais de uma vez para alguém, a outra pessoa começa a se acostumar. Quando tu menos espera, o que fazias de coração aberto, por puro altruísmo, passa a ser um contrato velado. A outra pessoa já espera pelo auxílio.


E, isso, é um passo para que o antes "presente", se transforme em "direito", do beneficiado.

Não concorda comigo? É, né? Sou um reles programadorzinho de merda, que fala da boca pra fora e não entende nada "dessas coisas".

Bem, abaixo transcreverei, na íntegra, a entrevista de James Shikwati para Der Spiegel, que me abriu os olhos, quanto a este tema. Enjoy.

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06.07.2005
James_shikwati_1Especialista explica que a ajuda internacional alimenta a corrupção e impede que a economia se desenvolva, o que destrói a produção agrícola e causa desemprego, mais miséria e mais dependência
Thilo Thielke
Em Hamburgo

O especialista em economia James Shikwati, 35, do Quênia, diz que a ajuda à África é mais prejudicial que benéfica. O entusiástico defensor da globalização falou com a SPIEGEL sobre os efeitos desastrosos da política de desenvolvimento ocidental na África, sobre governantes corruptos e a tendência a exagerar o problema da Aids.

DER SPIEGEL - Senhor Shikwati, a cúpula do G8 em Gleneagles deverá aumentar a ajuda ao desenvolvimento da África...

James Shikwati -
 Pelo amor de Deus, parem com isso!

DS - Parar? Os países industrializados do Ocidente querem eliminar a fome e a pobreza.

Shikwati -
 Essas intenções estão prejudicando nosso continente nos últimos 40 anos. Se os países industrializados realmente querem ajudar os africanos, deveriam finalmente cancelar essa terrível ajuda. Os países que receberam mais ajuda ao desenvolvimento também são os que estão em pior situação. Apesar dos bilhões que foram despejados na África, o continente continua pobre.

DS - O senhor tem uma explicação para esse paradoxo?

Shikwati -
 Burocracias enormes são financiadas (com o dinheiro da ajuda), a corrupção e a complacência são promovidas, os africanos aprendem a ser mendigos, e não independentes. Além disso, a ajuda ao desenvolvimento enfraquece os mercados locais em toda parte e mina o espírito empreendedor de que tanto precisamos. Por mais absurdo que possa parecer, a ajuda ao desenvolvimento é uma das causas dos problemas da África. Se o Ocidente cancelasse esses pagamentos, os africanos comuns nem sequer perceberiam. Somente os funcionários públicos seriam duramente atingidos. E é por isso que eles afirmam que o mundo pararia de girar sem essa ajuda ao desenvolvimento.

DS - Mesmo em um país como o Quênia pessoas morrem de fome todos os anos. Alguém precisa ajudá-las.

Shikwati -
 Mas são os próprios quenianos quem deveria ajudar essas pessoas. Quando há uma seca em uma região do Quênia, nossos políticos corruptos imediatamente pedem mais ajuda. O pedido chega ao Programa Mundial de Alimentação da ONU --que é uma agência maciça de "apparatchiks" que estão na situação absurda de, por um lado, dedicar-se à luta contra a fome, e por outro enfrentar o desemprego onde a fome é eliminada. É muito natural que eles aceitem de bom grado o pedido de mais ajuda. E não é raro que peçam um pouco mais de dinheiro do que o governo africano solicitou originalmente. Então eles enviam esse pedido a seu quartel-general, e em pouco tempo milhares de toneladas de milho são embarcadas para a África...

DS - Milho que vem predominantemente de agricultores europeus e americanos altamente subsidiados...

Shikwati -
 ... e em algum momento esse milho acaba no porto de Mombasa. Uma parte do milho em geral vai diretamente para as mãos de políticos inescrupulosos, que então o distribuem em sua própria tribo para ajudar sua próxima campanha eleitoral. Outra parte da carga termina no mercado negro, onde o milho é vendido a preços extremamente baixos. Os agricultores locais também podem guardar seus arados; ninguém consegue concorrer com o programa de alimentação da ONU. E como os agricultores cedem diante dessa pressão o Quênia não terá reservas a que recorrer se houver uma fome no próximo ano. É um ciclo simples mas fatal.

DS - Se o Programa Mundial de Alimentação não fizesse nada, as pessoas morreriam de fome.

Shikwati -
 Eu não acredito nisso. Nesse caso, os quenianos, para variar, seriam obrigados a iniciar relações comerciais com Uganda ou Tanzânia, e comprar alimento deles. Esse tipo de comércio é vital para a África. Ele nos obrigaria a melhorar nossa infra-estrutura, enquanto tornaria mais permeáveis as fronteiras nacionais --traçadas pelos europeus, aliás. Também nos obrigaria a estabelecer leis favorecendo a economia de mercado.

DS - A África seria realmente capaz de solucionar esses problemas por conta própria?

Shikwati -
 É claro. A fome não deveria ser um problema na maioria dos países ao sul do Saara. Além disso, existem vastos recursos naturais: petróleo, ouro, diamantes. A África é sempre retratada como um continente de sofrimento, mas a maior parte dos números é enormemente exagerada. Nos países industrializados existe a sensação de que a África naufragaria sem a ajuda ao desenvolvimento. Mas, acredite-me, a África já existia antes de vocês europeus aparecerem. E não fizemos tudo isso com pobreza.

DS - Mas naquela época não existia a Aids.

Shikwati -
 Se acreditássemos em todos os relatórios horripilantes, todos os quenianos deveriam estar mortos hoje. Mas agora os testes estão sendo realizados em toda parte, e acontece que os números foram enormemente exagerados. Não são 3 milhões de quenianos que estão infectados. De repente eram apenas cerca de um milhão. A malária é um problema equivalente, mas as pessoas raramente falam disso.

DS - E por quê?

Shikwati -
 A Aids é um grande negócio, talvez o maior negócio da África. Não há nada capaz de gerar tanto dinheiro de ajuda quanto números chocantes sobre a Aids. A Aids é uma doença política aqui, e deveríamos ser muito céticos.

DS - Os americanos e europeus têm fundos congelados já prometidos para o Quênia. O país é corrupto demais, segundo eles.

Shikwati -
 Temo, porém, que esse dinheiro ainda será transferido em breve. Afinal, ele tem de ir para algum lugar. Infelizmente, a necessidade devastadora dos europeus de fazer o bem não pode mais ser contida pela razão. Não faz qualquer sentido que logo depois da eleição do novo governo queniano --uma mudança de liderança que pôs fim à ditadura de Daniel Arap Mois--, de repente as torneiras se abriram e o dinheiro verteu para o país.

DS - Mas essa ajuda geralmente se destina a objetivos específicos.

Shikwati -
 Isso não muda nada. Milhões de dólares destinados ao combate à Aids ainda estão guardados em contas bancárias no Quênia e não foram gastos. Nossos políticos ficaram repletos de dinheiro, e tentam desviar o máximo possível. O falecido tirano da República Centro Africana, Jean Bedel Bokassa, resumiu cinicamente tudo isso dizendo: "O governo francês paga por tudo em nosso país. Nós pedimos dinheiro aos franceses, o recebemos e então o gastamos".

DS - No Ocidente há muitos cidadãos compassivos que querem ajudar a África. Todo ano eles doam dinheiro e mandam roupas usadas em sacolas...

Shikwati -
 ... e então inundam nossos mercados com essas coisas. Nós podemos comprar barato essas roupas doadas nos chamados mercados Mitumba. Há alemães que gastam alguns dólares para comprar agasalhos usados do Bayern Munich ou do Werder Bremen. Em outras palavras, roupas que algum garoto alemão mandou para a África por uma boa causa. Depois de comprar esses agasalhos, eles os leiloam na eBay e os mandam de volta à Alemanha -- pelo triplo do preço. Isso é loucura!

DS - ... e esperamos que seja uma exceção.

Shikwati -
 Por que recebemos essas montanhas de roupas? Ninguém passa frio aqui. Em vez disso, nossos costureiros perdem seu ganha-pão. Eles estão na mesma situação que nossos agricultores. Ninguém no mundo de baixos salários da África pode ser eficiente o bastante para acompanhar o ritmo de produtos doados. Em 1997 havia 137 mil trabalhadores empregados na indústria têxtil da Nigéria. Em 2003 o número tinha caído para 57 mil. Os resultados são iguais em todas as outras regiões onde o excesso de ajuda e os frágeis mercados africanos entram em colisão.

DS - Depois da Segunda Guerra Mundial a Alemanha só conseguiu se reerguer porque os americanos despejaram dinheiro no país através do Plano Marshall. Isso não se qualificaria como uma ajuda ao desenvolvimento bem-sucedida?

Shikwati -
 No caso da Alemanha, somente a infra-estrutura destruída tinha de ser reparada. Apesar da crise econômica da República de Weimar, a Alemanha era um país altamente industrializado antes da guerra. Os prejuízos criados pelo tsunami na Tailândia também podem ser consertados com um pouco de dinheiro e alguma ajuda à reconstrução. A África, porém, precisa dar os primeiros passos na modernidade por conta própria. Deve haver uma mudança de mentalidade. Temos de parar de nos considerar mendigos. Hoje em dia os africanos só se vêem como vítimas. Por outro lado, ninguém pode realmente imaginar um africano como um homem de negócios. Para mudar a situação atual, seria útil se as organizações de ajuda saíssem.

DS - Se fizessem isso, muitos empregos seriam perdidos imediatamente.

Shikwati -
 Empregos que foram criados artificialmente, para começar, e que distorcem a realidade. Os empregos nas organizações estrangeiras de ajuda são muito apreciados, é claro, e elas podem ser muito seletivas na escolha das melhores pessoas. Quando uma organização de ajuda precisa de um motorista, dezenas de pessoas se candidatam. E como é inaceitável que o motorista só fale sua língua tribal, o candidato também deve falar inglês fluentemente --e, de preferência, ter boas maneiras. Então você acaba com um bioquímico africano dirigindo o carro de um funcionário da ajuda, distribuindo comida européia e forçando os agricultores locais a deixar seu trabalho. É simplesmente loucura!

DS - O governo alemão se orgulha exatamente de monitorar os receptores de suas verbas.

Shikwati -
 E qual é o resultado? Um desastre. O governo alemão jogou dinheiro diretamente para o presidente de Ruanda, Paul Kagame, um homem que tem na consciência a morte de um milhão de pessoas --que seu exército matou no país vizinho, o Congo.

DS - O que os alemães deveriam fazer?
Shikwati - Se eles realmente querem combater a pobreza, deveriam parar totalmente a ajuda ao desenvolvimento e dar à África a oportunidade de garantir sua sobrevivência. Atualmente a África é como uma criança que chora imediatamente para que a babá venha quando há algo errado. A África deveria se erguer sobre os próprios pés. 

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Sei que muitos não leram até aqui. Pior para eles.

Resumindo, foi esse texto que me fez parar de ajudar ao próximo. Foi esse texto que me fez lembrar que eu passei minha infância e quase toda minha adolescência sobrevivendo com migalhas, por causa da situação econômica brasileira. Esse mesmo texto que me fez notar que foi meu esforço próprio nos estudos que me trouxe até onde estou. Que não é muita coisa, perto de onde eu acredito que posso chegar, mas que já é longe o suficiente para provar que o pobre é preguiçoso.

E é dessa complacência - citada na entrevista - que eu tenho nojo.

É por causa desso nojo que eu fico indignado quando me dou conta que pago pelo SUS no Brasil, em meus impostos. Não o bastante, pago por um plano de saúde, porque não quero depender do capenga SUS quando tiver necessidade. E a gota d'água são os 3 centavos que a caixa do Bourbon me pede para doar a algum hospital.

Esse nojo é que me faz bater boca com a menina da LBV. Os pobres que vão estudar. Que vão se qualificar. A escola pública é uma droga, mas é de graça e o seu diploma secundarista vale muito. Sempre digo que "onde não há nada, precisam de tudo". E, no Brasil, não há nada. NADA. Tudo está por fazer. Serviço, oportunidades e empregos por todos os lados. Onde quer que olhe, há coisas para serem feitas. E há dinheiro para tanto. Pagamos MUITOS impostos. Nossa Excelentíssima Presidente da República chega a investir em um porto em CUBA... 

Aí, quando a menina da LBV se dá por vencida e não tem mais argumentos para me convencer a doar o maldito litro de leite para os necessitados, ela me solta: "Mesmo assim, Deus está cuidando de ti."

Não, amiga. Nenhum amigo imaginário está, invisivelmente, velando a minha pessoa. E, se houvesse algum, preferiria que fosse um Deus de verdade. Odim, Ares, Athena, Thor... Esse Deus Judaico-Cristão não tem feitos que me surpreendem. Se esse Deus fez o homem à sua imagem, e o resultado é esse povinho idiota, aproveitador e "exxxxperrrto" que anda por aí, me desculpe, isso não é um bom trabalho.

3 comentários:

  1. Belíssimo post. Não concordo com todos os pontos, acho que ajuda humanitária é bem-vinda, em alguns casos. Mas que há um monte de contra-indicações, como aponta nosso amigo, isso há mesmo...

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  2. Concordo plenamente. Mas acredito que ajudar ao próximo exista limite, senão a preguiça toma conta SIM!... acomodados podemos receber ajudar do governo para sobreviver com vários "vales" por aí. Por exemplo: um surdo e mudo me pede dinheiro no sinaleiro, com direito a bilhete e tudo. detalhe: bem vestido, alimentado, limpo e comunicativo (sem humor negro)... então descobri que as empresas possuem uma cota de deficientes a ser preenchido. Por que não solicitar um curriculum para que eu possa empregá-lo? Será que ele aceitará?... acho que não.

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  3. Por ter pensado e refletido sobre isto que a alguns anos adotei uma política de não mais "dar esmolas" e sendo assim deixar de contibuir com este sistema que abre precedentes gigantescos à corrupção e comodismo.
    Nossa carga tributária é gigantesca, deveríamos ter serviços de primeiro mundo e ponto final (merchan heim ;D), mas o que temos são na maioria das vezes serviços precários e é nesta brecha que surgem os ajudantes, voluntários...
    Em fim, surgem para preencher esta lacuna que existe, mas aqui devemos ser extremamente cautelosos, pois se alimentarmos esses ajudantes ou como quiser denominá-los, estaremos na realizada fortalecendo esta brecha enorme
    e criando um "estado mimado" onde nada se resolve com a realenergia ou força do estado, mas sim com voluntários e ajudantes... Acabamos pagando duas vezes, mas isto ja não é novidade onde pagar imposto sobre imposto é
    considerado justo e legal.
    O que deveríamos fazer era parar de fazer bobagens e fortalecer causas se bases e cobrar tudo isso do governo, isto sim é o justo e correto.

    abraço

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